Posso escrever sobre qualquer coisa.
Posso escrever sobre este quarto e o exato efeito que cada móvel tem em mim. Posso escrever sobre o seu aroma, suas cores, sobre o conforto que me traz.
Posso escrever sobre a minha pele, sobre como me sinto ao portá-la. Posso escrever sobre minhas roupas e o agradável abraçar do tecido que envolve meu corpo.
Posso também escrever sobre essa dor funda que me assola quando encontro-me sozinha, entregue à minha própria companhia.
Posso escrever sobre o desamparo que sai arrastado do meio deste vazio existente em mim. Posso também escrever sobre a impossibilidade de preenchê-lo. Posso escrever sobre o eco que produzo dentro dele.
Posso escrever sobre a minha meninice, as noites cintilantes na casa de praia, as estrelas cadentes cruzando nossas cabeças em sintonia perfeita com os sonhos que moravam dentro de mim, dentro de nós.
Posso escrever sobre as minhas cores, os meus perfumes, os meus sinais, as minhas caminhadas, o meu cansaço, os cheiros que me levam, que me desfazem, que me diluem.
Posso escrever sobre o seu beijo, o seu toque, o peso do seu corpo, a pressão na ponta dos seus dedos, a pressão na ponta de meus lábios, a respiração forte, o calor saindo do teu corpo e entrando no meu.
Posso escrever sobre o meu desejo.
Posso escrever sobre o meu amor, sobre a minha incondicionalidade.
Posso escrever sobre os dias de sol que me aquecem, sobre os dias de chuva que me confortam, sobre as folhas secas que caem perante mim anunciando a próxima estação.
Só posso escrever sobre o que habita em mim. Tento dissolver a minha própria teia, me transformar em palavras e deixá-las soltas por aí. Assim o faço na esperança que tais palavras possam ser sopradas ao pé do teu ouvido e talvez você encontre-se nelas. Talvez aquilo que carrego em mim tu também carrega em ti e nós dois não estaremos mais sozinhos.
Posso escrever porque não aprecio estar só. Posso escrever porque busco companhia.
Quero me escrever em ti. E quero que você se leia em mim.
Clarissa Simas
Clarissa Simas