quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Palavras



Caminhava com urgência, como se tivesse pressa em saber o que aconteceria depois daquela esquina. Trazia nos bolsos uma porção de palavras. No dia anterior, tinha memorizado várias rimas pobres e frases sem efeito para te convencer e as guardei junto com o teu bilhete de despedida. Minhas pernas se moviam com destreza e sentia que meus pés mal tocavam o chão. A passos largos, caminhava ao teu encontro porque meus sentimentos são inadiáveis, sou composta de nuvem e vento e quando tudo se confunde, sou tempestade.

Tua sombra se precipitou sobre os meus pés e pude sentir o cheiro de fruta madura. Meus olhos viram a tua beleza que se lançava para fora de ti e foi inevitável não pensar nas tuas últimas palavras impressas num pedaço de papel amassado em cima da mesa da sala.

“Parto cedo por medo de nunca mais poder partir.
Deixo apenas meus pensamentos.
L.”

Queria poder explicar que as tuas palavras não fazem sentido algum, que tua partida é precipitada, que teus pecados me fazem falta, que os vizinhos não suportam mais meu olhar consternado, que não consigo dormir sem antes pensar no peso do teu corpo sobre o meu, que as flores lá de casa murcharam, que o sol não brilhou mais desde que o inverno começou, que nunca mais ouvi Tom, que teci um cobertor com as minhas lembranças, que meus dedos nunca mais tocaram nas teclas do piano, que queimei todos os postais que tu me deste no último ano.

Eu queria uma frase feita, um lugar-comum, um cliché. Procurei nos bolsos algo que demonstrasse meu sentimento mais profundo, mas não havia nada, só encontrei o silêncio e foi isso que eu pude te entregar. Quando estendi os braços, tu havias construído um muro para nos separar. Tu havias roubado as minhas palavras e as colocado no muro, deixando um vazio indizível, mas plenamente compreensível.

Juliana Varaschin

Foto: PriRamos (http://www.flickr.com/photos/prisousa/sets/)

2 comentários:

Unknown disse...

Juju!!! Parabéns pelo texto, me identifiquei muuuuito. E adorei que minha foto tenha ajudado. Na verdade, foi o Guimarãer Rosa: aquela frase nos tijolos é de um trecho de Grande Serão: Veredas.
Love you, beijocas

Nasser de Melo disse...

Ju, estou sem palavras e orgulhoso. O texto é demais.
Falando em Guimarães Rosa, terça faremos uma homenagem para a esposa dele na OAB.
Parabéns!!!
Beijão