sábado, 9 de julho de 2011

Na verdade

Queridos leitores imaginários,

Depois de um longo e feliz inverno, volto a postar um texto. Como todos vocês sabem, eu escrevo mais em momentos obscuros e é por isso que gostaria de dedicar esse texto à dor e a beleza de viver. Ah... e também à Tati Bernardi!

"Você disse que iria comigo. Na verdade, foi você quem me lembrou que há muito tempo eu queria, mas eu tinha até esquecido. E desejo, quando volta à tona, volta sangrando, quase cuspindo fogo. Acho que vai sangrar. Acho, não, vai sangrar. E eu que pensei que você iria comigo, que você veria meu sangue vermelho, verde, azul e preto escorrendo pelo braço e, lá no finalzinho do braço, eu tivesse a sua mão pra conter as gotas que rolam. Na verdade, as gotas já escorrem há algumas semanas, mesmo antes do desejo que voltou sangrando ter rasgado o meu peito. Eu só queria um sinal, só queria me sentir desejada, nem precisava ser esse desejo sangrante porque, depois de tudo o que eu vivi, eu não acredito mais em desejos sangrantes que não os da ordem dos desejos que sangram fisicamente. Eu só queria dividir o peso dos pensamentos que carrego na garganta quando eu calo e eu consigo engolir pensamentos com a mesma destreza de um engolidor de espadas, mas quando os pensamentos se transformam em palavras, é quase um vômito, algo sem controle. Ontem você disse que eu estava colocando o peso de todas as coisas erradas da minha vida sobre os seus ombros. Na verdade, eu só estava tentando dividir o pouco que me atormenta e me tira o sono. E é pouco mesmo, quase nada, mas sangra como ferida aberta. Eu só queria um gesto doce que sarasse minhas feridas, poderia ser uma gota de saliva ou um movimento do seu corpo que impedisse a minha fuga, qualquer coisa que denotasse, mesmo que sutilmente, que você deseja a minha presença. Poderia até ser um desejo simples, o mesmo desejo de presença que eu sinto quando estamos lendo livro e eu toco meu pé no seu só para saber da sua presença. Desejo sem muito requinte, iguais àqueles quando vamos na sorveteria e pedimos o mesmo sorvete de sempre. Não precisa ser um desejo daqueles de fim de ano, desejos de paz no mundo e amor entre todas as raças, eu teria me contentado com um desejo simples. Vê uma bola de pistache e outra de chocolate no cone, por favor. Algo simples assim, mas sem o qual não se pode viver, como o jeito que você escora o rosto na mão esquerda flexionada, ou o seu andar quase sem dobrar os joelhos porque eu acho que eles doem e você os está polpando para quando ficar mais velho. Eu só queria não me sentir sozinha e amanhã eu estarei. Eu não terei você ao meu lado e o que mais dói não é a dor do sangue escorrendo, a dor do presente. O que mais dói é a dor do futuro, é pensar que toda vez que eu olhar para aquela imagem, aquela pena, aquela rosa, aqueles olhos, eu lembrarei que estava sem você."

(juliana varaschin)