segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Guardar

Vou fazendo a mala. Mas em que ordem por tudo? Blusas brancas com blusas brancas, coloridas separadas, os jeans antigos por baixo, os novos por cima. Sem que eu perceba, as emoções e lembranças também são preparadas para a longa viagem.

As meias vão no bolso pequeno, junto com as pequenas alegrias. Aquela de se lamber um sorvete e caminhar pela rua cheia de gente na primeira tarde de primavera. O jeans novo vai no mesmo lugar das boas experiências, junto com tudo aquilo que caiu bem. O jeans velho vai por baixo, assim como tudo aquilo de bom que já existia e que, como o jeans, só se torna mais confortável com o uso. O biquines vão por cima, já que serão usados prontamente - junto com a saudade, serão os primeiro a saírem da mala. As bolsas vão ao lado, carregando o indispensável. Adendo: uma consequência de se carregar o indispensável é muitas vezes carregar o que é absolutamente dispensável - temos reconhecida dificuldade em distinguir quem é quem. Esquininhas da nossa mente também carregam hábitos e emoções que não precisamos mais. Esquininhas estas que, assim como bolsas, também trazem o fundamental. Os cachecóis e roupas de frio vão em uma mala separada, onde também ficará a lembrança de um inverno frio e doloroso. Vem também uma ferida já curada, que deixou uma elegante cicatriz. Com os sapatos vem as longas caminhadas de reflexão e de anseio. Com os sapatos altos vem as risadas, as noites em claro. Do lado dos livros foi empacotada a sabedoria, pois ambos são a perfeita companhia. Com as peças íntimas vêm os mais íntimos desejos, aqueles que também só são mostrados para pessoas escolhidas à dedo.

E tudo se mistura, se bagunça, embirra e não quer caber. São como criancinhas de jardim; requer-se muita paciência e atenção para conseguir organiza-las. Assim também com aquilo que se sente.

E a mala brinca de ser um coração: grande, amplo, sempre querendo abarcar tudo e todos; quer que tudo caiba dentro dela. Às vezes sujeita-se a carregar um peso tremendo, maior do que ela própria aguenta. E sorri um riso arreganhado ao se abrir e deixar tudo sair, no fim da viagem. Por alguma razão isso se assemelha muito a um coração.

Uma mudança obriga a carregar um peso enorme. E em casa é onde se esvazia a mala e o coração. É onde os dois se tornam leves de novo, o porto seguro pra guardar tanta bagagem. Seja onde ou qual for essa casa, é onde devemos voltar de vez em quando. Só pra esvaziar um pouco, sabe? Ter bagagem é muito bom, só que as vezes um pouco da bagagem precisa ser deixada pra trás. É bom rever se tudo aquilo é essencial mesmo. Lembre-se que aquilo que não é essencial se disfarça muito bem, afinal ninguém gosta de ser deixado pra trás. Os nossos corações, com essa mania de mala, querem sempre carregar o máximo possível. Voltar pra casa é bom por isso. Para nos livrarmos do peso. Bom, pelo menos é o que eu acho. Se o seu coração não se assemelha nem um pouco a uma mala, melhor pra você. Arrumar mala de viagem sempre dá um trabalhão.

Clari

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