quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Vermelho


Sempre que tu chegas com este ar de fugitivo, sinto meu coração se encolher dentro do peito. Chegas sem avisar ou até mesmo com aviso; tanto faz, sempre estou a tua espera. Quase sempre espero por dias, já esperei meses, e a espera é sempre suportável quando se trata da tua presença. Mesmo tendo te esperado a vida toda, quando tu entras pela porta, nunca sei o que fazer. Podes chegar com um sorriso, podes chegar com as roupas sujas, com os pés descalços ou os punhos cortados.

Desta vez, tu entraste e sentaste encolhido, acuado, como quem tem medo. Talvez te sintas assim porque estejas te escondendo de ti mesmo. Tentei te abraçar, mas me contive. Perguntei se tinhas fome e disseste que preferes o silêncio. Olhei os teus olhos tão diferentes, eles se fecharam ainda mais quando sentiram que meu olhar pousou sobre eles. Sei que fazes isto para te proteger na tentativa de impedir que eu desvende os teus segredos. Mesmo assim, contemplo teus limites. Não me canso deles.

Ficamos em silêncio. Ousei pousar minha mão sobre a tua e pude sentir o teu desespero através da tua pele. Sussurrei algumas palavras quase em tom de súplica e, como que por milagre, tua mão correspondeu ao meu toque. Senti o ar se deslocando em direção ao meu corpo e, em seguida, o teu corpo se abrindo sobre o meu. Ah, meu bem, minha espera é recompensada quando te sinto por inteiro, demasiadamente inteiro. No instante seguinte, teu corpo desapareceu e deixou um vazio. Tu voltaste para o teu mundo extenso e deserto. E eu, tão plena e vívida.

O que existe entre nós é uma questão de desencontro. Desencontro no tempo, desencontro de palavras, de perguntas e respostas. Desencontro de desejos e necessidades. Ontem mesmo precisei de ti, do teu corpo desnudo, dos teus braços marcados. Precisei com toda minha alma e só pude contar comigo mesma e com a lembrança que tenho dos teus olhos. Sei que você prefere o branco, mas te vejo tão vermelho, tão carne, tão desejo.

De repente, tu quebras o silêncio. ‘Preciso de ti’. Não ouço mais nada, só vejo teus lábios se moverem dentro da tua face clara. Teus olhos tão diferentes. Te absorvo num beijo imprudente e quase te perco em seguida. Mantenho meus braços firmes para que não te afastes, respiro teu alento para que tu fiques. Não deixarei que partas hoje. Teu corpo já não se defende mais e nem sinto nenhuma resistência de tua parte. Estás cansado de tanta luta e desencontro. ‘Eu também, meu bem’.

Juliana Varaschin

Foto: Felix Richter

Um comentário:

Ana Eliza Santos disse...

ju...
tem se superado a cada crônica..
tem me impressionado a cada palavra.. e meu amor por vc, como se isso já não fosse mais possível tem aumentado a cada dia!