segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Fiat Lux



Se eu pudesse por um instante apenas vislumbrar as formas que me cercam. No escuro, tudo tem a mesma forma, nada tem contorno, nem sombras. Se eu pudesse ser um clarão, um relâmpago, um estrondo, eu veria tudo. Veria aquela moça que se move misteriosamente pela calçada. Mesmo que fosse por um pequeno instante, veria aquela criança que foge assustada com a chegada da chuva. Mas enxergar é limitar-se aos olhos. É não permitir-se ir além da pele, é criar barreiras onde não há. É como colocar o mundo dentro de uma caixa onde ele não cabe. Existem muito mais coisas para além do mistério da moça, para além do medo da criança. Há o sabor dos passos apressados, o cheiro da calçada, a sensação da chuva que não demora a cair, o barulhinho bom dos cabelos ao vento, os pensamentos soltos no ar.

Preciso ir embora e deixar pra trás o rastro dessa escuridão que ainda escapa pelo vão da porta. Cansei dessa alma turva, escura, que de tão inóspita nem se parece comigo. Preciso ir embora e não levarei as chaves porque não pretendo mais voltar. Não que haja alguma mágoa ou ressentimento, somente há o desejo de ver a luz. Neste momento, prefiro ser o clarão, o relâmpago, o estrondo, que mesmo sendo intangíveis, desvendam a beleza das formas. Levarei comigo os aprendizados do tempo de reclusão para que eu possa ir além do visível, do palpável, do sonoro. Quero abrir minhas janelas para o sol, para ver a moça e seus mistérios, a criança e suas alegrias. Eu quero ver mais, sentir mais, cheirar mais, amar mais, mas dessa vez eu prefiro a luz.

Juju Varaschin

(dica para a galera http://www3.vangoghmuseum.nl/vgm/index.jsp )

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