sábado, 25 de outubro de 2008

Penumbra.


A penumbra do ambiente pinta as paredes com suavidade. Não estamos sozinhos no restaurante. O riso de outras mesas é abafado pelo nosso silêncio, pelos nossos olhares que não se encontram. Sorvo um gole da minha taça, sem prestar muita atenção. A comida chega e, com ela, parece que chega a minha urgência. Urgência de sei lá o quê. De me livrar daquilo que habita em mim. De sair do deserto em que me encontro. Pois estar ao seu lado me fez seca. Ao seu lado sou árida, vazia, inabitável. Sou um fantasma de mim mesma. Não sou nada além de uma turva sombra do que um dia fui.

O bom restaurante é ofuscado pela presença de nós dois. Pela presença da entidade, da instituição falida ‘nós dois’. Sentados conosco estão os nossos problemas, nossas diferenças, nossas brigas. Em suma, o nosso profundo desencontro. Um desencontro sistêmico, que permeia tudo o que fazemos e o que nos transformamos.

Acho impossível rir de suas piadas, gostar do seu cheiro no lençol, admirar tua forma de caminhar, celebrar teus sucessos, desfrutar da sua companhia. Neles, eu só vejo você. Vejo o que não gosto, o que não quero, que preciso me afastar. Mesmo as bonitas mãos que sempre me atraíram agora gesticulam algo diferente. Até elas me lembram de tudo aquilo que não dá mais. Cada vez que observo você se movimentar, a minha vontade é estar longe. Quero estar onde o único movimento a ser feito seja o meu, a única voz ouvida seja a minha e os únicos desejos pairando no ar sejam os meus próprios. Quero correr para a tormenta, para o furacão; para onde eu saia do meu limbo, da minha hipnose.

Vem a conta. Vamos embora. Ao levantar, percebo a ruidosa atmosfera de festa e alegria que preenche o espaço. Dentro de mim só existe silêncio. E entre eu e você existe um abismo. Nele não existe nada além de um persistente eco do que um dia fomos.

Chegamos a nossa casa. Nos preparamos para deitar e é na cama que mais uma vez buscamos o encontro. Os pés que se procuram e se tocam sob as cobertas. Ah, como eu preciso te encontrar, meu amor. Nem que seja por um instante, em qualquer nível, de qualquer forma. Dos pés, nos abraçamos. O calor do corpo encostado em mim traz um estranho consolo. Vou adormecendo aos poucos. A lembrança da noite vai se tornando embaçada, distante. Um pouco grogue, por um segundo sinto que te achei. Desde o começo da noite, tudo que desejei foi esse encontro. Mesmo que só por um segundo, preciso acreditar que ainda te amo.


Clarissa M.

Nenhum comentário: