quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Um último adeus para aquele que já partiu ( ou ‘das coisas que não foram ditas’)



Esse recado que você mandou a essa hora da manhã surtiu um efeito engraçado. Sinto que me tá nas veias de repente algo que não é a cafeína. É tão mais vibrante, tão mais pulsante, tão mais pulante.

Eu era tão mortinha ao seu lado, meu amor. Tão assim, uma coisa dedicada somente a você. Devota, entregue. Me fiz árida pra que você pudesse ser rei. Que coisa mais feia, alguém que só consegue ser rei num deserto. Que coisa mais chata, meu amor.

E agora que estou nessa primavera, vem você com essas memórias do inverno frio querendo pisar minhas flores. Ora, meu amor, já ficamos velhos demais para acreditar nas segundas chances, não? E lá vem você com essa mesma conversa de antes. De novo, meu anjo: ficamos velhos para isso, não?

Pois se você me diz, com muita pompa,  que sua vida continua, acho lindo e quero que ela continue bem pra lá, bem lonjão de mim. Tô sorrindo, tô feliz, tô fora.

Se agora coloco o dedo na garganta e ponho tudo pra fora é porque tô feliz e bem vivinha, meu amor. E se nunca mais te chamar de meu amor, meu amor, é porque de meu amor você não tem nada, nadinha. O que você tem é uma vidinha de pessoazinha que está afastadinha da minha. Que insiste em querer ficar juntinho de mim.

Tô feliz porque te dei tchau faz um tempo, lindinho. Acho uma gracinha quando você vem de charminho querendo ser rei de novo. Ou vem de charminho fazendo birra. Acho muito bonitinho, muito mesmo.

E quando você vem me sugar, meu bem, te digo: leva esse aspirador pra lá. Com o perdão da rima, mas acho muito engraçadinho você pensar que aqui ainda dá.

E desculpa o desabafo: mas falar coisas tão mortinhas para alguém tão vivinha como eu não poderia prestar.

Um beijo,

Clarissa

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Ode ao(s) melhor(es) amigo(s)



Eu acredito em anjos.

Não acredito em fadas, nem duendes, nem bruxas, nem mandingas, nem amarração para o amor, nem em macumba. Eu acredito em anjos.

Acredito pela felicidade que chega sorrateira junto com aquele telefonema convidando ao sol num sábado à tarde. Na música alta, na piscina, na grama verde se esfregando insistentemente sob os pés. Acredito muito nisso.

Acredito nas noites sem fim de choro, onde cada hora, na verdade, dura dez anos. Acredito nos momentos onde nada aplaca a dor e mesmo assim existe um abraço forte que me envolve, sem palavras, me aninhando num casaco já molhado com lágrimas teimosas.

Acredito nas noites sem fim de alegria, onde a risada alta reina sem nada páreo para uma competição justa. Noites onde a felicidade se instala, vestida de princesa adornada de lacinhos coloridos, se espalhando pelo ambiente, nos forçando sua presença.

Acredito nos dias de rotina, absolutamente normais, e naqueles seres que, de uma forma completamenta maluca, conseguem se encaixar com perfeição no cotidiano tacanho.

Acredito na falta que me faz quando a vida se impõe e qualquer tentativa de contato torna-se um trabalho hercúleo.  Mesmo assim, acredito no reencontro, onde as  mudanças terão sido nada e todas as coisas que acredito ainda estarão lá.

Acredito que, na verdade, na vida que habita em mim habitam muitos outros, completando essa mesma e me obrigando a desabrochar essa tal de felicidade que insiste em se enraizar no meu peito. A vida que corre em mim tem um colorido que eu aprendi por aí, aprendi convivendo com todas essas coisas nas quais acredito.

Por isso acredito que isso ao meu redor não podem ser pessoas. Cheguei a conclusão, através de raciocínio lógico e longa observação da raça humana, que aquilo que me cerca é algo além.

Certa feita, eu digo: acredito em anjos. E eles acreditam em mim também.

 

(para o bubs)


Clarissa Simas

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Para uma avenca partindo



"(...) deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim dum jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver nascer uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez uma samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço (...)"

Caio Fernando Abreu

Bem que eu queria poder escrever metáforas sobre plantas e sementes, partidas e crescimento, usando somente vírgulas por páginas a fio e ainda assim parecer belo, mas eu me contento em ser a samambaia que cresceu para além dos limites da minha própria vida.

Juliana Varaschin

domingo, 26 de abril de 2009

looped in the loops of her hair.


Cabelos cacheados sempre foram um mistério muito grande para mim. Sinto uma estranha atração por eles.  Talvez por causa dos cabelos encaracolados do meu pai, onde tive as minhas primeiras lições. Até hoje eu retorno para eles quando alguma dúvida surge.


Ou talvez porque sempre encontro boa companhia nos cachos da minha irmãzinha. Eles adoram brilhar e se exibir sob o sol. Olhando para aqueles anéis dourados, meus lábios se ocupam de um sorriso despreocupado - efeito colateral do meu encanto e servidão à sua beleza.

No emaranhado de cachos dele eu já me perdi muitas vezes. Eu já quis correr, já quis fugir, já quis não querer tanto assim. Eu já escorreguei tantas vezes por aquele cabelo cacheado que já nem me lembro mais quantas voltas dei. Me deixei enfeitiçar tantas vezes... tantas vezes quantos os beijinhos que eu quis dar.

Tenho a impressão que os cabelos bem lisos da minha mãe e da minha avó me apresentaram o amor incondicional. Porém foi só quando meus olhos pousaram sob os minúsculos cachinhos da priminha recém-nascida que eu entendi o que é delicadeza. Sem dúvida, naquela cabecinha jazia a matéria prima de toda beleza  do mundo.

Cabelos lisos sempre me trazem bons conselhos, boas opiniões, raciocínios  lógicos. Com os cabelos lisos aprendi a forma certa. Com aneizinhos doces e curtinhos aprendi  que, no fundo,  há mais verdade no movimento do que na forma certa.

Eu particularmente tenho cabelos lisos. Muito lisos. Não me leve a mal, mas eu sempre gostei bastante de ser assim. Porém creio que por causa disso sou vítima do encantamento de cabelos cacheados. Estou constantemente a procura deles para iluminar o meu dia. Mal sabem vocês quantos mistérios estão guardados naquelas simples voltinhas. Minha vocação é estar a procura de cachos perdidos por aí. A retidão de espírito  dos meus cabelos lisos buscam o anelado da invasão, da desconstrução. Não há novo sem quebra - e o que é o cacho senão a quebra de uma linha reta?

Assim, vou me enrolando junto com seus fios e me deixo levar. De longe, observo minha irmã andar sob o sol. Eu sei que existe muita beleza no mundo. Tenho certeza disso. Porém nada me encanta tanto como os cachinhos dourados dela brilhando em sintonia com seus olhinhos azuis, refletindo a luz da manhã.


Clarissa Simas

domingo, 5 de abril de 2009

Velar



Minha história cabe numa dúzia de caixas rotuladas e lacradas. A maior é a dos livros e também é a mais pesada. As fotos, eu guardei junto com os CDs e com os incensos. Os documentos velhos foram para o lixo e os que podem me fazer falta estão ordenados por datas, envelopados e etiquetados. As roupas de inverno estão separadas das de verão, os cobertores e travesseiros, em caixas grandes e as pulseiras, colares e anéis, em caixas pequenas.

Tirar o pó das prateleiras vazias é o mesmo que velar um corpo sem vida - é uma despedida. Mas não é uma despedida da prateleira, do armário, do sofá; é uma despedida das histórias, das risadas, das lágrimas, dos medos, dos desejos que vivi em cada pedaço desse lugar, que é a representação mais pura e clara de quem eu sou. É quase uma despedida minha de mim mesma. Penso que ao fechar a porta dessa casa, poderia lacrá-la e colocar uma placa: ‘aqui jazem histórias de alguém que viveu enquanto havia o que viver’.

E é por isso que não é uma despedida com pesar e tristeza, porque tudo o que havia para ser feito, foi dito, vivido e guardado na memória. É um adeus com os olhos num novo horizonte completamente aberto e amplo. Fico imaginando onde essas caixas serão novamente abertas, em quais estantes meus livros habitarão, o pôr-do-sol de qual cidade meus olhos contemplarão, com quem dividirei meus DVDs, meu sofá, minha cama. Que esse novo ciclo se inicie.

Juliana Varaschin

Foto: Tela de Tamara de Lempicka, 'Jeune Fille en Vert', minha mais nova paixão.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Um pedaço da minha alegria



Gosto de acordar no meio da noite só para saber da tua presença ao meu lado. Ver o teu contorno escuro em oposição às paredes claras, o perfil do teu rosto, teus lábios que se unem ao teu nariz de linhas retas, formando um contorno de proporções perfeitas. Ah, meu bem, como eu adoro o teu rosto, teus olhos, teus cílios, lamber os cantos dos teus lábios que se abrem num sorriso para eu tocar os teus dentes.

Amo todos os teus pedaços. Na madrugada, gosto de traçar o teu perímetro com a ponta dos dedos: teus braços, teu peito, teu ventre. Desenho-te devagarzinho e quase te toco. Se tu percebes meus movimentos, tu acordas do teu sono bom e resmungas algumas palavras que eu não entendo muito bem. Eu acaricio teus cabelos docemente e te digo ‘dorme, meu bem, está tudo bem’.

E está mesmo, porque é bom despertar para admirar os teus pedaços. Toco os teus pés com os meus, teus pés finos, estreitos recebem os meus, que muitas vezes estão frios. Assim, posso voltar a fechar os meus olhos porque novamente sinto teu calor e tua presença. Ainda guardo a imagem do teu corpo, o sabor dos teus lábios e dentes, meu coração se aquieta feliz. Tu, inteiro, te aproximas de mim, me envolves, eu me aninho nos teus braços e me entrego.

São destas pequenas felicidades que eu te falo. Alguns dizem que elas não existem, outros dizem que elas só existem diante dos meus olhos, mas nós dois sabemos que é preciso treinar os nossos olhos para poder vê-las. Contigo, eu as vejo sempre.

Juliana Varaschin

quarta-feira, 11 de março de 2009

Táxi

O poeta passa de táxi em qualquer canto e lá vê
o amante da empregada doméstica sussurrar
em seu pescoço qualquer podridão deste universo.

Como será o amor das pessoas rudes?
O poeta não se conforma de não conhecer
todas as formas da delicadeza.


(o poema não é nosso, mas é lindo)

Toque.
















(baseado em fatos reais)

Ela foi se despindo aos poucos. O par de olhos castanhos que a fitavam se desviaram por um instante para vislumbrar a nudez que ali se anunciava. A pele branca, agora inteiramente revelada, falava a ele como uma poesia recitada ao pé do ouvido. O aroma suave daquele corpo exposto invadia todos os aposentos da casa e o embriagava. Branca, branca, toda branca,


Aproximam-se. O contato visual é perdido com o tocar dos lábios. Aquele desejo era quase desamparo. Devorava aos dois, fazia com que eles queimassem em sua própria chama. Era o que nutria e, ao mesmo tempo, não matava a fome. Era do que eles se alimentavam e o que se alimentava deles.

Isso foi o que ele pensou, nos breves instantes antes de encostar a sua boca naquela pele branca. Os lábios mornos do beijo recém dado prenunciavam o que estava por vir. O seu desejo era um simples desdobramento da necessidade de partir.

As cortinas da casa balançam suavemente e o vento a arrepiou. Ele encostou o seu torso despido nela. O calor dos corpos unidos trouxe um estranho consolo aos dois. Eles escolheram a entrega; entrega ao encontro e à eles mesmos. Aquilo era quase amor.

É chegada a hora da separação. Ela se levanta, despe-se de sua branqueza e mais uma vez a esconde por baixo do vestido azul. Azul como seus olhos, ele pensa. Caminham até a porta e se despedem com um beijo e um olhar. Só que dessa vez o olhar foi mais longo. Sem dúvida aquele momento foi quase amor.

Clarissa Simas

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

L´obscurité et les désirs





Enquanto o mundo lá longe gira no seu ritmo acelerado, aqui criamos um universo demorado, espaçado. O tempo se faz tão lento que é possível perceber a dança delicada da poeira fina que se mostra inteira para a luz do sol que, ousada, atravessa os galhos das árvores e ilumina o chão desnudo. O tempo aqui é verde-floresta, azul-riacho e, algumas vezes, branco-asa-de-borboleta. A quietude brota do solo como planta viçosa, a simplicidade surge junto com as águas transparentes nas nascentes e a única coisa que eu ainda preciso é da sua presença. Aqui, os dias são longos e quando o sol se põe, posso perceber ainda mais a beleza infinita das cores refletidas no céu raiado rubro-violáceo. Ao seu lado, as noites são urgentes e quando ela chega, cresce o silêncio. Gostaria de dizer ‘não dorme essa noite, quero os seus olhos abertos sobre mim’, porém não me atrevo a quebrar o silêncio com palavras. O único som que nos permitimos são as respirações ofegantes e o roçar da nossa pele. Seu corpo pesa sobre o meu e na escuridão posso ver seus olhos lindos e ardentes se aproximarem dos meus, nossos lábios se abrem e os olhos não se fecham. Deixo as portas da minha alma abertas e sei que você a vasculha enquanto me beija, deixo que meus desejos subam pelas raízes como seiva e alimentem meus braços que te prendem cada vez mais forte. Que acabem os espaços entre nós; se preciso for, me dobro, me encolho, me moldo, mas quero que sua vontade me inunde e depois me inunde mais, até submergir meus sentidos. Te toco, escuro. Te sinto, claro. Não há mais um ponto onde eu termino e você começa; em meio à escuridão, tenho a clareza que somos um. Não é necessário ver para ter essa certeza. Quase inconsciente, desejo que o tempo fique mais lento para que o sol não quebre a ingenuidade da ausência de luz, mas basta fechar os olhos por um instante para que tudo se acabe e a claridade traga um novo dia. É o fim. Porém, não é o fim de tudo, já que esse fim é o breve momento entre um início e outro início.

Juliana Varaschin

Foto: Vinicius Fonseca

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Bonjour, cheri.

Recebi essa mensagem no celular hoje de manhã:

"Bonjour, cheri. Que seu dia seja: sem protetor solar, um sol mais brilhante, uma castanha sem casca, uma barra de chocolate extra grande, um chefe mudo, uma empregada que não tome seu iogurte e um amor sem contra-indicações. Loviú. Bj."

Acabou que meu dia foi mesmo bonito, como previsto. Postei aqui para te desejar exatamente o mesmo. 

Loviú,

Clarissa

Memê bacaninha - a missão

Tudo começou quando recebi um comentário da Ainá dizendo que tinha um memê para mim. A missão era listar 6 coisas aleatórias da minha vida e depois mandar essa "corrente" para outros seis amigos blogueiros. Lá vai:

1. Vivo o momento mais livre da minha vida, como aquele lapso de tempo em que o trapezista solta a barra e fica no ar esperando que o novo trapézio chegue em suas mãos;

2. Tenho mais cicatrizes pelo corpo que o Frankenstein e não me importo nem um pouco com isso (há até quem goste muito delas!);

3. Me apaixono facilmente, mas me desapaixono na mesma velocidade. Isso poderia fazer de mim uma pessoa superficial, mas sou intensa e mergulho de cabeça em tudo o que faço e amo;

4. Já fiz ballet, handebol, voleibol, jazz, basquetebol (sim, eu meço 1,60m!), piano, atletismo, tricô, crochê, alemão, inglês, francês, tae kwon do, ginástica rítmica desportiva, triatlon mas nada disso se compara ao meu grande amor – o SwáSthya Yôga;

5. Nunca morei mais que 9 anos no mesmo lugar. Verbos como parar, ficar, permanecer têm pouco sentido para mim;

6. Ao mesmo tempo, tenho amigos de longa data que mantenho com muito orgulho e amigos recentes que amo com a mesma intensidade, porque o verbo amar faz muito sentido para mim.

É isso. E os meus escolhidos para dar continuidade nessa "corrente" são: Clarissa, Ana Eliza, Caio, Vivas, Alê Martins e Marco.

P.S.: aproveito para deixar um beijo aos meus amigos citados acima. Juliana.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Doer





Um dia desses, esses de uma luz despretensiosa, ouvi uma conversa da minha janela: ‘algumas vezes, deixo a dor em casa e levo meu sorriso mais leve e manso para passear’. Lembrei-me daquela vez que apertei o dedo na porta do armário. Senti uma dor pungente, lancinante e, impensadamente, segurei o dedo firmemente com a outra mão, levei-o entre os lábios, passei a língua sobre ele, umedecendo-o, mas o calor da minha boca não pôde abrandar o que sentia. Olhei para meu dedo e a pressão que exercia sobre ele deixou-o mais vermelho ou talvez tenha sido a pancada. Tanto faz. Conturbada, pensei: ‘isso é a dor’. Era uma dor pura, clara, tão inteira que ocupava todos os meus pensamentos. Só podia pensar na dor, sentir a dor, viver a dor. Deitei-me sobre a cama e apoiei meu dedo latejante abraçado pela palma da minha mão sobre o peito e ali fiquei por alguns instantes. Vivenciar a dor nem sempre é uma experiência ruim. É bom poder perceber que a dor começa intensa e vai diminuindo, ela aparece inesperadamente como um raio e vai embora lentamente como uma tempestade. Assim ela se foi, deixando uma mancha levemente azulada sob a minha pele, que no outro dia era verde; e no outro, amarela; e no outro, nem existia mais. Ela se foi sem deixar marcas. E hoje, nem me lembraria mais se não tivesse sido por essa conversa que ouvi despretensiosamente. Então, também peguei meu sorriso mais leve e manso e saí pra passear pelas ruas que cheiravam a outono, porque quando me lembro que seus olhos se apertam enquanto seu sorriso se abre, meu coração se aquieta e não há dor que me arranque essa felicidade.

Juliana Varaschin
Foto: Gustav Klimt (1862-1918)

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Esquecer

Tenho me esquecido de amar. Por isso, decidi mudar.

Vou mudar meus vícios, meus livros, a cama de lugar. Vou trocar meus móveis, minhas idéias, minha forma de levar. Quero escutar, falar, escutar. Vou mudar minha forma de ver, de escrever, de caminhar. Quero desentender tudo o que um dia eu entendi e repensar. Vou mudar as portas e os segredos de todas as minhas fechaduras, depois vou dançar. Vou mudar meu corte de cabelo, meu discurso, qualquer traço de arrogância, vou errar. Mudar também meu jeito de andar. Esquecer as razões que me fazem chorar. Estou desfazendo os meus bordados, digerindo o meu passado, dando adeus por todos os lados.

Comunico-lhes que estou dando todas as minhas velhas roupas e meus velhos moldes. Estou desenvolvendo novas formas e receitas. Estou desmanchando aquele suéter velho e também o tempo que passou. Estou recolhendo e recontando os anos, somente para não guardá-los em lugar algum.

Estou desescrevendo meus textos e as tardes de menina de cabelo ralo. Estou doando a minha infância inteira, com a porteira fechada. Estou me desfazendo de minha solidão e de meus óculos de sol. Talvez dos óculos de grau também.

Mantenho os dedos longos, os pés descalços e os olhos abertos. Enquanto isso, vou vivendo sem todo o resto. E vou buscar o amor. Volto só quando encontrar.

Clarissa Simas

Eu não quero acertar.

Eu não quero acertar sempre. Ora bolas, me dê a liberdade de errar de vez em quando. Me deixe livre para vacilar e depois te pedir desculpas, ao beijos, com sede do seu perdão.

Sou humana e você também é. Então peço encarecidamente que me permita errar feio de vez em quando. E que a gente ainda possa se gostar e querer estar perto do outro, apesar do meu vacilo.

Por favor, erre comigo de vez em quando. Assim tenho a certeza de que estou com outro humano feito de matéria e de imperfeições também.

Aceite as minhas falhas como um bouquet de flores deixados na soleira da sua porta. Meus erros são a minha oferenda. São a promessa de que eu quero fazer certo, quero errar menos, quero amar mais.

Que minha vaidade não te afaste de mim, que não me afaste de mim mesma. Mas saiba que por ela eu errei e provavelmente ainda errarei. Portanto aceite-a também como oferenda de paz nesse momento.

Que os meus erros sirvam de cimento para o que nós somos. Que a cada vez que errar eu possa me aproximar mais de você.

Eu quero errar, e muito. Com os erros, quero ter a certeza que sou digna do seu perdão, do seu amor e da sua tolerância. Que eles me libertem e me levem pra junto de ti.

Clarissa

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios

"(...) Falamos, falamos, falamos. E mesmo assim faltou dizer tanta coisa. E escutar também. Ela nunca disse que me amava. Jamais ouvi de seus lindos lábios a sentença que pronunciei algumas vezes.

A claridade do dia declinou, mudou a sombra dos móveis de lugar, a luz amarelada do poste espionou-nos pela janela da sala. Lavínia levantou-se da penumbra e disse:

Preciso ir agora.

Então era isso. The end. O que eu poderia fazer? (...) Dizer: foi bom, valeu? Prometer que telefonaria, ao menos no aniversário dela? Que mandaria postais - da Praça da Sé ou da Liberdade? Que voltaria qualquer dia para visitar a cidade como turista? Que a esqueceria?

Eu não podia prometer nada disso.

Nem pedir que ela me procurasse(...). Ou que me escrevesse de vez em quando para dar notícia de sua singularíssima pessoa, com uma letra infantil, bordada por solecismos preciosos.

Embora estivesse morrendo de vontade, não pedi que abrisse o vestido sóbrio, para que minha sede pudesse despedir-se das fontes de seu corpo. Sabia que não me saciaria.

Bebi um gole de conhaque, fiz a cara feia inevitável e coloquei o copo de volta sobre a mesa. E também me levantei, fiquei de frente para ela. A tempo de ver, mesmo na penumbra, o momento em que um brilho riscou seu rosto fechado, feito uma estrela cadente. Lavínia baixou a cabeça, chorava em silêncio."

Marçal Aquino

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Renascer



"Aprendi com a primavera; a deixar-me cortar e voltar sempre inteira."
Cecília Meireles


Foto: Cisco Vasques (http://www.ciscovasques.com/)