domingo, 5 de abril de 2009

Velar



Minha história cabe numa dúzia de caixas rotuladas e lacradas. A maior é a dos livros e também é a mais pesada. As fotos, eu guardei junto com os CDs e com os incensos. Os documentos velhos foram para o lixo e os que podem me fazer falta estão ordenados por datas, envelopados e etiquetados. As roupas de inverno estão separadas das de verão, os cobertores e travesseiros, em caixas grandes e as pulseiras, colares e anéis, em caixas pequenas.

Tirar o pó das prateleiras vazias é o mesmo que velar um corpo sem vida - é uma despedida. Mas não é uma despedida da prateleira, do armário, do sofá; é uma despedida das histórias, das risadas, das lágrimas, dos medos, dos desejos que vivi em cada pedaço desse lugar, que é a representação mais pura e clara de quem eu sou. É quase uma despedida minha de mim mesma. Penso que ao fechar a porta dessa casa, poderia lacrá-la e colocar uma placa: ‘aqui jazem histórias de alguém que viveu enquanto havia o que viver’.

E é por isso que não é uma despedida com pesar e tristeza, porque tudo o que havia para ser feito, foi dito, vivido e guardado na memória. É um adeus com os olhos num novo horizonte completamente aberto e amplo. Fico imaginando onde essas caixas serão novamente abertas, em quais estantes meus livros habitarão, o pôr-do-sol de qual cidade meus olhos contemplarão, com quem dividirei meus DVDs, meu sofá, minha cama. Que esse novo ciclo se inicie.

Juliana Varaschin

Foto: Tela de Tamara de Lempicka, 'Jeune Fille en Vert', minha mais nova paixão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo, Jú. Que este novo momento lhe traga muito mais felicidade, pois sei que em intensidade ele já é.