Dizem que na vida a gente tem o que precisa. Ela levantou às sete de uma quarta-feira chuvosa, lembrando daquele domingo ensolarado em que acordou quase de tarde. Naquele domingo, o sol invadia o chão do apartamento e a noite anterior passada em claro mergulhava na sua primeira xícara de café, super alegrinha. Ela agora levanta no seu apartamento de quarta-feira chuvosa e sentiu falta de ter lembranças da noite passada. As últimas semanas tinham gerado sonos sem sonho, aos quais ela muito ressentia – já não bastasse a vida roubar-nos alguns sonhos que temos acordado, agora a sem caráter tinha lhe tirado os sonhos de verdade.
Levantou quase mancando, arrastando-se pelo apartamento até despertar todos os músculos. Aguou as plantas, alimentou o cachorro, entrou no banho, se secou, arrumou o cabelo, maquiou, vestiu. Percebeu uma dor no pescoço, talvez estivesse dormindo torta. Ia comprar um travesseiro novo no fim do dia.
Ela saiu de casa, continuando o ritual. Foi de metrô. Lembrou do tanto que gostava de dirigir. Era muito bom para pensar. Ir de metrô era uma forma mansa, quase passiva, de locomoção. Era sentar e esperar chegar no seu destino. Não há nenhum controle da situação. Tudo bem, afinal era só o caminho para o trabalho. Mas as vezes ela se sentia um pouco zumbi ali no metro. Ela sempre gostou de velocidade, dirigir dava o movimento necessário para colocar a cabeça em outros lugares. No metrô ela nunca conseguia uma nova perspectiva sobre nada. Ela só conseguia se sentir simples e medíocre. E triste. E sozinha. A pior solidão é achada num vagão de metrô lotado.
No trabalho, começa a segunda parte da rotina. A rotina também é mansa e casta. É confiável, estável – salvo pela sua instabilidade. A mansidão a confrontava às vezes.
Na volta para casa, de novo o metrô. Ela sempre foi de conhecer o mundo e de muitas pessoas. Mas pensou que gostaria de ter alguém para que nunca mais tivesse que pegar um metrô sozinha. Mesmo que ficassem calados também, não importa; ela não estaria abandonada no meio daquele nada enorme.
Caminhando do metrô para casa, lembrou que tinha de comprar suco de laranja. De novo veio a imagem do chão do apartamento iluminado pelo sol naquele domingo. Trançou o cabelo, concebendo outros nós.
Abriu a porta de casa, encheu o copo e sentaram-se no sofá ela, o suco de laranja e o cachorrinho. Uma saudade enorme socou o seu peito de repente. Não era desagradável. Era agradável até o limite em que uma saudade pode ser. Na verdade era quase uma nostalgia. Ela queria mais noites bem dormidas. Mais noites em claro. Mais companhia. Menos solidão. Menos solidão à dois ou a dez. Menos momentos sozinha no metrô (isso ela ansiava desesperadamente). Mais amor. Mais carinho. Mais envolvimento. Mais olhos que se encontram. Menos olhos que fogem. Menos amores que não vingam. Mais amores que duram. Mais amigos. Mais tempo. Meu Deus, como ela queria mais tempo. Queria todo o tempo. Todo o tempo junto, agarrado, misturado, embolado. Mais luz invadindo o apartamento.
Foi para cama, depois dos rituais de costume. Fechou os olhos bem forte e decidiu que aquela noite ia sonhar. E lembrou da saudade que dá ter um vizinho no travesseiro do lado.
(clarissa simas)