"(...) Falamos, falamos, falamos. E mesmo assim faltou dizer tanta coisa. E escutar também. Ela nunca disse que me amava. Jamais ouvi de seus lindos lábios a sentença que pronunciei algumas vezes.
A claridade do dia declinou, mudou a sombra dos móveis de lugar, a luz amarelada do poste espionou-nos pela janela da sala. Lavínia levantou-se da penumbra e disse:
Preciso ir agora.
Então era isso. The end. O que eu poderia fazer? (...) Dizer: foi bom, valeu? Prometer que telefonaria, ao menos no aniversário dela? Que mandaria postais - da Praça da Sé ou da Liberdade? Que voltaria qualquer dia para visitar a cidade como turista? Que a esqueceria?
Eu não podia prometer nada disso.
Nem pedir que ela me procurasse(...). Ou que me escrevesse de vez em quando para dar notícia de sua singularíssima pessoa, com uma letra infantil, bordada por solecismos preciosos.
Embora estivesse morrendo de vontade, não pedi que abrisse o vestido sóbrio, para que minha sede pudesse despedir-se das fontes de seu corpo. Sabia que não me saciaria.
Bebi um gole de conhaque, fiz a cara feia inevitável e coloquei o copo de volta sobre a mesa. E também me levantei, fiquei de frente para ela. A tempo de ver, mesmo na penumbra, o momento em que um brilho riscou seu rosto fechado, feito uma estrela cadente. Lavínia baixou a cabeça, chorava em silêncio."
Marçal Aquino